16 outubro 2009

UM TAPETE VERDE DIZ TUDO

Eu não entendo a pressa. Pra ver gafanhotos na rua? Sua mãe chama de esperança? Só porque são verdes? Que óbvia é sua mãe. Nunca me apresente, eu sou capaz de corar. Se você prestasse um pouco de atenção iria perceber que a última coisa que eu queria nesse momento era ter que levantar dessa cama vestir um casaco e sair nesse frio pra ver gafanhotos na calçada. Podíamos transar, estourar mais pipoca, ver o que está passando na televisão, mas não, vamos levantar no meio da noite, congelar a ponta do nariz, correr o risco de tomar um choque térmico pra ver alguns pequenos gafanhotos verdes na calçada. Não fosse sua maldita incontinência urinária, nada disso estaria acontecendo comigo agora. Você não teria visto pela janela do banheiro que a calçada está forrada de gafanhotos e eu ainda estaria debaixo das cobertas. Eu posso ser preso se alguém me ver assim de cabelos armados com esse pijama indecente e esse tédio todo. Não insista tanto, não percebe que estou cedendo? Você acha? Você não viu nada ainda. Se acontecer de eu pegar um resfriado aí é que você vai ver. Todo esse desespero pra ver gafanhotos na calçada. Isso o que está acontecendo comigo é perfeito depois de um dia infinito que eu tive. Eu sozinho hoje tomei umas três garrafas de café pra aguentar o peso do dia e é por isso que estou tão irritado agora. Eu suspeitava que talvez tivesse que atravessar essa noite de olhos arregalados saltados para o teto, mas não imaginei que teria que passar frio e irritação no meio da madrugada pra ver os gafanhotos verdes que você viu pela janela do banheiro e que sua mãe chama de esperança. Não me apresse mais, estou me esforçando o máximo que posso pra ser o mais ágil possível. Você me olhando desse jeito até me assusta. Eu quero só ver como é que você vai retribuir todo esse meu esforço de sair da cama essa hora pra ver seus gafanhotos verdes. Eu tinha esquecido que o corredor até a porta é curto. Eu tinha esquecido que moro numa casa humilde. Eu esqueço que sou pobre as vezes, veja você que ironia. Depois que deito eu sou capaz de esquecer as coisas, algumas coisas, aliás, por falar nisso, você já me perdoou? Eu espero que sim, afinal de contas, eu não consigo mais conviver com essa sua indiferença. Pronto, pode abrir a porta, já estou bem agasalhado. Eu não acredito no que estou vendo. Um grande tapete imóvel e verde bem na porta de casa? Só pode ser alguma brincadeira de mau gosto de algum desocupado. São milhares de gafanhotos verdes espalhados pela calçada e em boa parte da rua. Milhares de gafanhotos verdes, que sua mãe chama de esperanças. Mas estão todos mortos? Entendi a pressa. Você com isso me faz entender que... as suas....

Andy Gercker 17 outubro 2009 (Ctba)

É. DECADENTE. ADÍOS

Arrume um jeito de me ajudar. Qualquer coisa. Me traga um livro com uma história bem bonita. Ou me traga flores. Me traga um sorriso. Um perfume ou um olhar. Sei lá, inventa algo. Um disco que ainda eu não tenha. Uma tesoura pra canhotos. Um cartão do oriente. Me traga uma sopa talvez. Tem café? Qualquer coisa. Qualquer coisa que você trouxer eu vou gostar. Uma música pra refrescar minha alma. Um solo de piano. Ou uma voz rouca. Sabonetes também. Refri. É.

Qualquer coisa. Eu já disse. Uma cartilha com informações. Um passo de balé. Chulé?
Dispenso. Talvez você possa cantar? Um lápis. E o que escrever se possa apagar. É.
Traga qualquer coisa. Depois a gente esquece mesmo. Um doce. Em comprimido.
Eu vou gostar. Uma camisa do Che. Um lençol térmico. Ou um abraço. Bom.
Seja Bom. Camarada. Não vai te custar. E vai me ajudar. Chá ou revista.
Algo pro paladar. Traga a Tv a pipoca e o Dvd. Tente me ajudar. É.
Decidido. Você é capaz. O único capaz. Tente rapaz. E depressa.
Senão vou acabar. Depois não se arrependa. Não vá chorar. É.
Me deixa triste. Implorar. Por qualquer coisa. Você parou.
Congelou. Não me ajudou. Ou? Nada. Pena. Adíos. É.
Fique bem aí. Me vendo sumir. Decadente. Adíos.
Que você sofra. Pode enfiar. Não há mais tempo.
Venha me beijar. Desejar sorte. Dizer tchau.
Pena. Eu não tenho mais como esperar.
Tente não esquecer de me cobrir.
Feche a porta depois. A luz.
Apague a luz. E adíos.
Se puder. Se der.
Ligue pro.
Sabe.
Né?


Andy Gercker 16 outubro 2009. (Ctba)

08 outubro 2009

DIALOGO A QUATRO MÃOS E DOIS CORAÇÕES

... logo depois que a embarcação partiu.


- Ouça, ouça essa música. É cafona, mas é bem minha cara.

Ele ouviu. Atento. Vagou por outras esferas do tempo. Pra encontrar sentido. E respondeu:

- O bom senso você não perdeu, é cafona sim, mas também não perdeu o bom humor, é que de tão delicadamente cafona, confesso, é possível até chorar... com aquele sorriso no canto dos lábios. Não sei, me fez lembrar uma noite de carnaval barato que passei numa boate de quinta. Onde naquele dia tudo mudou... em mim.
- Nossa. Fiquei emocionado agora.

Ele ri.

- É sério. Bom te encontrar num dia assim.
- Bom? A palavra é bom?
- Hunrum
- É. Eu sou surpreendente.....
- É mesmo.
- Minha maior e não tão reconhecida qualidade!

O outro sem palavras. Ri.

- Mas me explique, porque essa música cafona é sua cara? O que melhor te define nela? Fiquei curioso.
- Ela é cafona, bonitinha (falsamente modesto) E tem a cara de uma pessoa imatura como eu.

E ri novamente, talvez tentando disfarçar o que sentiu ao revelar um trechinho de sua secreta e intocável privacidade.

- Como você está?
- Estou bem!
- Que bom. Está feliz?
- Estou. Mesmo tudo tão agitado, estou.
- O que está acontecendo?
- Coisas boas... pessoas legais.... estou querendo ser melhor também... me reaprendendo!
- Que bom.

Bom? Ele usou a palavra BOM de novo?

- Fico feliz em ver você bem.
- Obrigado. E VOCÊ está feliz?
- Estou tranquilo.
- Estou tranquilo. É ótimo. Então que bom que você está tranquilo.

Fez questão de usar o Bom. Precisava. Comicamente vingativo.

- É chato um pouco, mas é bom sim.

Seria perseguição ou ele usou o Bom outra vez?

- Me permita um ditado: Não há tristeza que perdure nem alegria que nunca acabe....

Bem possível que a estrutura da frase estivesse comprometida. Mas a idéia foi dita.

- E assim é.

De repente a música volta sem avisar.

- A música começou tocar de novo... e agora fiz outra leitura... talvez eu tenha dito bobagens anteriormente.

Ele fala rindo:

- Eu adorei. A leitura feita anteriormente.
- Menos mal, como você não tinha dito nada... adquiri essa culpa.... mas tudo superado já.
- Mente brilhante.
- Será outra qualidade minha não tão reconhecida?
- Provavelmente.
- Estou me reaprendendo muito rápido desse jeito. E já estou ficando soberbo.
- Você sempre foi muito inteligente, se é que isso ajuda nesse momento.
- Ajuda sim, alimente meu ego por favor....
- Pois tenho vários adjetivos na manga pra você.
- Uau. Destile-os. E me encharque de coisa boa.
- Você é extremamente inteligente, sensível... se bem que as vezes até demais. Opa, sim elogios, Você é decente, tem bom caráter, romântico, LEAL, mal humorado e sim, isso é um adjetivo positivo. Você é bonito, porque o físico também conta. É criativo, divertido, simpático, mas só quando quer.
- Estou adorando.
- Tenho orgulho de ter você na minha vida

Uma leve pausa no tempo. Um pequeno silêncio para aquele que ouve. E o que falava continua:

- Talentoso. Você brilha no palco. Cresce. Cresce mesmo. E olha que entendo lhufas disso.
- E? quero mais...
- Cansei.
- Poxa. Mas adorei, muito obrigado, vou dormir bem durante uma semana pelo menos.
- Exagero. Você sabe disso tudo e ainda é pouco.
- Pena que certas palavras se atrasam e assim perdem a embarcação. Aí ficam ali, naquele espaço do podia ter sido e não foi.
- Pois é.

E abaixa os olhos.

- O que é isso? Sorria. Era isso que você queria.

Instante que merece uma reflexão. Não se trata de grosseria. É de fato.

- Assuma.
- Voltando ao estado natural.
- Eu?
- Sim. Brabo comigo.
- Não, não me entenda errado... acontece que deixo a acidez escorrer as vezes, me perdoe. Não esqueça que estou me reaprendendo. Tentando ser melhor. Ouça o que falo prestando atenção nos sorrisos invisíveis.
- Enfim.

Pensa rápido assim: Em... Fim. A caminho de. É. Acho que sim.

- Adoro você, sempre vou sentir isso!

Outro instante digno de reflexão. ...sempre vou sentir isso... Será sempre mesmo? Até quando é capaz de durar esse sempre? Silêncio, ele continua:

- Seja sarcástico, seja querido...

Anuncia que vai partir.

- Tenho que ir.

...

- Obrigado. Irei guardar suas palavras como um presente.

Ambos sorriem. Porque não resta outra coisa.

Em... Fim.

Andy Gercker - Curitiba 07 out 2009