05 dezembro 2009

SINCERAMENTE EU NÃO SEI

Eu não sei, sinceramente eu não sei. Não sei se faz bem, ficar assim em casa. Deitado no escuro e ouvindo essa música tragicamente linda. Talvez eu devesse sair de casa, mas também não tenho certeza se isso não fará com que eu fique ainda pior. Meus músculos estão descontraídos e minhas pupilas cansadas. Não quero e não posso ver claridade. A música precisa ficar assim, nesse volume pra que eu não suspeite que nesse momento existe pessoas percorrendo freneticamente as ruas daqui de perto, feito baratas em testes de laboratório. É assim que no fundo todos somos, baratas. Daquelas que passam por perrengues medonhos e que vivem constantemente em movimento pra não ter que ficar no mesmo lugar e não correr o risco de serem pisoteadas. Estamos a todo momento amaldiçoados, a cumprir sem pestanejar, em toda e qualquer circunstância, respeitar esse infeliz sistema que nos obriga viver feito boi. Bicho. Barata. Indefere realmente se fico aqui nesse estado letárgico ou se encaro a cidade pra ver o que acontece. E acontece. Acontece tanta coisa que me deixa sempre ainda mais frágil. Hoje eu fiquei perseguindo uma senhora de muita idade na rua. Não deixei que ela percebesse que eu a seguia, não pretendia ser descoberto nem assustá-la. Apenas me intrigou sua figura franzina e de imensa aparência de abandono como se a tempos não recebesse nenhum tipo de afeto. Ela era meio cor-de-rosa a senhora. Andava curvada pra frente e lentamente como se estivesse seguindo um exército de formigas. Estava tão compenetrada no que fazia que não poderia fazer nada pra se defender, caso fosse necessário. Eu decidi interromper meu percurso pra seguir essa senhora que chamou minha atenção. Tive tempo pra fumar, comprar água e ler as capas das revistas expostas na banca até que ela chegasse ao seu destino. Era um edifício antigo com tintas descascadas nas paredes e uma porta pesada que algum dia, provavelmente, já deve ter ostentado grande respeito e que hoje sequer é notada pelas pessoas que frequentam essa rua do centro da cidade. Ela, antes de entrar no edifício, voltou-se pra trás e olhou a rua mais uma vez, soltou um leve suspiro livrando-se do ar azedo do dia, tomou outra dose de vento, agora pra recuperar a lucidez que o sol a tinha tirado e entrou fechando a porta calmamente. Deve ter ido dormir a senhora cor-de-rosa. Ou deve estar deitada no escuro ouvindo músicas tragicamente lindas arrependida por ter saído hoje na rua. Eu vim pra casa. Nem lembro mais o que eu precisava fazer na rua e nem sei se quero lembrar, só sei que agora nesse instante eu não sei se devo continuar aqui nesse escuro ou se devo enfrentar a rua novamente pra deixar que mais alguma coisa aconteça.

Andy Gercker 05 dezembro 2009.