22 setembro 2011

ÚLTIMA VISITA


Obrigado por entre outras tantas coisas você ter sido capaz de vir me ouvir. Obrigado por arrastar sua cadeira até bem perto de mim e descansar seu pesado casaco no colo e pedir para baixarem o volume das vozes no corredor e por ter reduzido as luzes também para que eu me sinta um pouco mais confortável e seguro e mais calmo num cenário menos hostil. Obrigado por olhar profundamente dentro dos meus olhos a ponto de me deixar trêmulo com tanta atenção. Obrigado por não zombar de mim nesse estado tão deprimente triste e adoentado. Obrigado por ter vindo com flores e obrigado por não ter recusado esse meu último aflito e desesperado convite.
Agora diga que estou menos inchado e que já não estou mais com aquela cara de choro e que meus olhos deixaram de ficar vermelhos e que deixei escapar que estou um pouquinho mais feliz por você ter vindo até aqui e diga também que talvez seja hoje que eu finalmente consiga dormir.
Pronto.
Podemos começar.
Será que devo deixar você falar tudo o que quiser se é que tem alguma coisa que você ainda queira me falar se é que existe alguma coisa que eu ainda queira saber ou se é realmente importante que você fale ou que apenas continue assim me olhando.
Será que devo parar de pensar tanto nas palavras que desejei ouvir acreditando que me trariam mais conforto do que esses seus olhos fixados nos meus?
Minha sede de atenção quase faz com que eu não perceba o quanto esse pequeno e novo instante inaugurado entre nós é tão confortante e o suficiente para não esperar mais nada e também até esquecer de uma vez por todas aquelas palavras ensaiadas e que agora já não teriam mais tanto sentido se as fossem ditas.
Eu estragaria esse momento que jamais cheguei ousar a pensar que pudesse ser tão tão antes de. Se acaso eu inventasse de esparramar todas aquelas mágoas tolas e quase infantis com certeza quebraria grosseiramente isso que me oferece assim tão docemente.
Pois sim vou lhe falar que saltei meus pés do chão desde que te vi pela primeira vez e que de lá pra cá desaprendi como se devia andar com os pés firmes na terra.
Não. Você não teve culpa. Não. Você não foi responsável pela minha febre e loucura. Não. Você não devia ter feito nada diferente. Não mesmo.
Eu que me apressei e esqueci ou nem sei se quis pensar que talvez você não estivesse para mim. Eu apenas voei. E lá do alto conheci tanta coisa vi tanta coisa e chorei por tanta coisa que não mais aguentei me desequilibrei caí e adoeci.
Eu tentei ser mais a cara do mundo de todo mundo para ver se me machucava menos e tentei não resistir mas não consegui deixar de ser esse que acorda e se espreguiça como se saísse de um livro de capa amarelada e roída pelas traças e pelo tempo. Eu lamento tanto por não ter conseguido fazer com que os outros e em especial você percebesse que basta saltar com um pé para voar nesse outro mundo com sabor de algodão doce que escolhi para viver.
E o mundo daquelas caras do mundo se voltaram contra mim e me zombaram e me atravessaram e me deixaram aqui deitado sozinho banhado em forte luz clara de lampada fria e com essas vozes sussurradas que me assustam por dias e dias. E se eu não fosse obrigado a ter vindo para cá daria no mesmo agora estaria mofando com meus casacos velhos e cigarros de filtro amarelo digno de uma surra numa poltrona velha em casa.
Aí depois que saltei no ar e fiquei vagando de bar em bar cabisbaixo e moribundo e um tanto azedo no cheiro na cor e no humor tão desolado e agressivo que me laçaram e me trouxeram amarrado por um barbante como se fosse uma pipa triste.
Desculpa se é que me permite pedir desculpas por te contar essa história de um aventureiro encantado que viu a terra despencar debaixo dos pés quando soube que não teria mais o seu grande amor e não teria mais onde aterrizar.
Então insisto em dizer obrigado por não ter recusado meu convite por ter vindo me olhar como a tempos não me vêem e obrigado por não ter falado nada e ter me deixado narrar assim sem parar sem respirar essa história que não ensaiei e que não sei devia contar e obrigado por ter pedido para baixar as vozes no corredor e ter colocado essa música bem a nossa antiga cara e ter feito esse truque com as luzes aconchegando o quarto e me esquentando um pouco.
Não sei mais o que dizer não sei se você espera que eu ainda fale mais alguma coisa só sei que está bom esse pequeno instante e que infelizmente já está acabando. Não vou pedir para você voltar por que sei que não tenho mais esse tempo assim como não vou esperar que você salte e venha morar comigo nesse lado de cá porque não tenho esse direito. Mas preciso que saiba que estou um pouquinho mais feliz por você ter vindo me encontrar e obrigado e muito obrigado por ter me deixado desabafar essa fábula que vivo desde o dia que me você me deixou. Nada vai mudar depois que tudo mudar. Nem nada mais vai acontecer senão eu sumir depois que você sair e fechar a porta e pedir para que desliguem esses fios que anestesiam meus braços. Obrigado por ter vindo me ver antes de apagar e por favor mas por favor mesmo não me esqueça depois disso acontecer.

Andy Gercker
Curitiba 17 Maio 2009

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