17 maio 2009

RELATO DE UM DIA SEM FOME

Não a tem, a fome. Mas tem que por obrigação, comer. Logo mais suas pernas irão tremer caso não invente algo para mastigar e digerir. Não sente fome, sente frio. Lá vai: água, óleo e sal. Espera ferver a água dançando música francesa. Escolhe a massa entre um passo e outro da coreografia. Le fabuleux destin d´ um garoto triste num dia frio, tramando idéias para esquecer o que lhe atormenta enquanto escolhe o molho para enriquecer seu prato. Decide por fim, ervas finas. A massa mergulha na fervura, grita, procura uma tampa e abafa. Ficam apenas uns sussurros, que machucam. Aumenta o volume da música, não quer mais sofrer, não tanto assim. Sete, oito, um passo a frente, esquerda, uma volta e pula no ar e assim repete para decorar, no oito então: cinco, seis, sete e oito. Exímio dançarino. Un film de solidão. De um autor cabisbaixo e franzino. O indesejável alimento está pronto, é instantâneo. Escorre e mistura ao molho de lata. Serve acompanhado de um saboroso suco de frutas artificial. Como ele. Dança.... dança.... chora e dança.... e não come. Sai e alcança a rua fria e chora mais, e mesmo longe de casa, sem música, ainda dança e dança e chora. Na mesa, em casa o prato esfria. E ele corre para passar o frio, em vão... neva é nele. E isso nem a música, nem a massa nem qualquer coreografia é capaz de esquentá-lo. Só há um remédio, que se chama: um pouco de amor. Um pouco de amor ele pensa e ri. Só um pouco, um pouco de amor e ri. Um passo a frente, esquerda, uma volta e pula no ar. A comida na mesa por fim congela.

Andy Gercker

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